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terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Werner Sombart: os judeus e a vida económica (4ª parte)




Continuação da 3ª parte

Ele não existe ainda nos jornais até á segunda metade do séc.18: o primeiro numero, aparecido no 13 de Maio de 1751, da célebre folha de anúncios Les Petites Affiches não contêm um único anuncio comercial propriamente dito 35. É assim que a simples indicação: “eu vendo (ou fabrico) esta ou aquela mercadoria neste ou naquele local” adquire direito de cidade em Inglaterra só a partir da primeira metade do séc.18, em França bem mais tarde. No que toca à Alemanha, nós encontramos casos isolados de anúncios comerciais desde o começo do séc.18, nas cidades como Berlim, Hamburgo, etc. Só os livros começaram a ser anunciados bem mais cedo, o que se explica facilmente pelas condições especiais de sua venda.

Mas mesmo depois de ser adoptado o anúncio comercial, tinha-se continuado, e durante muito tempo, a ter-se como suspeito, e mesmo a reprovar, o reclame comercial, quer dizer o anúncio cujo autor se atribuía para si mesmo elogios, demonstrando ao público que a sua casa oferecia vantagens jamais encontradas em outras casas. Mas o procedimento que, entre todos, era considerado como o mais desleal era aquele que consistia a anunciar que se vendia melhor mercado que os concorrentes.

A baixa de preços, que os Alemães chamavam de “Unterbieten” e os Ingleses “Underselling”, seja qual fosse a forma que se apresentasse. Era considerado como uma pratica incorrecta: “Vender a prejuízo dos seus concidadãos e muito estragar os preços, jamais traz alegria36.

O anúncio público da baixa de preços era considerado como uma pratica simplesmente desonesta. Na 5ª edição de Complete English Trademan (1745), encontra-se a seguinte nota do editor 37: “Desde que o autor escreveu este livro (De Foe, morto em 1731), o mau uso de oferecer as mercadorias a baixo preço desenvolveu-se com uma impunidade incrível (“this underselling practice is grown to such a shameful height”) que algumas pessoas hesitam em anunciar publicamente que eles vendem as suas mercadorias mais baratas que os outros comerciantes”. Mas o autor revela rapidamente a mentalidade económica que explica a indignação com a qual ele assinala esta má pratica: “Nós chegamos a conhecer comerciantes que ofereciam as suas mercadorias a preços com os quais um comerciante sólido seria incapaz de resistir”. Nós encontramos nesta queixa o velho ideal de subsistência. O nível de vida era regulado cada um sabendo sobre qual venda poderia contar, os preços das mercadorias não podiam nem deviam estar abaixo de uma certa taxa.

Nós possuímos um testemunho particularmente precioso no que toca à França. Datado da segunda metade do séc.18, este testemunho mostra-nos com toda a claridade possível que mesmo nesta época o baixar de preços e o anúncio público desta pratica eram ainda considerados neste país como algo monstruoso. Trata-se de uma ordenança do ano 1761 que declara que tais praticas não podem ser outra coisa que artifícios aos quais têm recurso, em desespero de causa, um comerciante cujos negócios correm mal. A ordenança proibia rigorosamente a todos os comerciantes de grosso e de detalhe de Paris e de seus arredores de tentarem ultrapassar uns e outros para vazarem as suas mercadorias, e sobretudo de distribuir panfletos destinados a atirar a atenção sobre estas. Os considerados desta ordenança são tão característicos do espírito que reinava então nas esferas dirigentes que eu não posso resistir à tentação de reproduzir aqui as passagens mais importantes 38: “Alguns comerciantes desta cidade (Paris) decidiram desde há alguns tempos de fazer espalhar no publico bilhetes em seu nome, para anunciar a venda de seus estofos e outras mercadorias, a um preço que eles expõem ser inferior aquele que essas mercadorias de costume são vendidas pelos outros comerciantes: uma tal falta, que é quase sempre o último recurso de um negociante infiel, só pode ser severamente reprimida”.

Mas não podemos esquecer que ao lado e acima do produtor e do comerciante estava o consumidor. Num certo sentido, este era mesmo o personagem principal, pois a ingénua concepção ainda não havia completamente desaparecido, segundo a qual a produção e o comércio de bens só existem que em vista do consumo de bens nas melhores condições possíveis.

O que designei por orientação natural reinava igualmente nesse domínio: toda a actividade económica tinha como único objectivo a produção de bens de consumo; não se produz ainda por produzir. Por isso é que constatamos ainda durante as primeiras fases da época capitalista a tendência manifesta a produzir boas mercadorias, mercadorias que sejam realmente o que elas parecem ser, mercadorias cuja confecção não entra nenhuma fraude. É a partir desta tendência que nasceram todas as muitas regulamentações de fabricação das mercadorias que enchem os sécs. 17 e 18. O que, de um ponto de vista da regulamentação, distingue esses dois séculos dos séculos anteriores, é que é o Estado ele-mesmo que exerce o controle através dos seus funcionários. Encarregados de vigiar a fabricação das mercadorias.

Mas, pode-se dizer, o facto mesmo do Estado crer em vigiar a boa qualidade das mercadorias não provaria precisamente que a mentalidade económica da época era de natureza a favorecer a produção de bens de consumo de qualidade medíocre ou má ? Uma tal conclusão seria no entanto injustificada. O controle exercido pelo Estado tinha mais por objectivo o de impedir as transgressões de alguns produtores isolados com pouca consciência. De uma maneira geral, cada um prontificava-se ainda a honrar o fornecimento de boas e autênticas mercadorias: tradição que os artesãos da idade-média tinham transmitido ao primeiro período capitalista.

Notas:

35. P. Datz, Histoire de la Publicité (1894), p. 161, contains a facsimile of the whole of the first issue of Les Petites Affiches.
36. Allgemeine Schatzkammer, vol. 4, p. 677.
37. D. Defoe, op. cit., vol. 5 2 , p. 163.
38. Cf. G. Martin, La grande Industrie sous Louis XV (1900), p. 247. 

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