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sábado, 5 de setembro de 2015

A tragédia dos "Wolfskinder" na Alemanha do após-guerra

O termo alemão "Wolfskinder" -literalmente "criança-lobo", ou "pequeno lobisomem"- designa os órfãos de guerra alemães que, após a capitulação do Terceiro Reich, foram deixados a eles mesmos e que, em busca de comida fora das fronteiras alemãs, erraram em países estrangeiros, sobretudo na Polónia, na Lituânia e União-Soviética (na zona da Prússia Oriental anexada pela URSS). Seu número se eleva a vários milhares de crianças e sua sorte quase sempre horrível. Muitos dos  "Wolfskinder", as "crianças-lobo" morreram de fome, foram assassinados, violados, maltratados ou explorados como escravos. Algumas centenas dentre eles foram recolhidos por famílias lituanas (quase sempre sem filhos), sendo depois adoptados. Eles perderam assim suas identidades alemãs. Depois da famosa "Wende", a "viragem", quer dizer após a queda da URSS e do Muro de Berlin, as autoridades alemãs oficiais mostraram pela primeira vez interesse por essas "crianças-lobo" que entretanto já eram quarentões ou quinquagenários. Os médias também lhes consagraram sua atenção.

A pedido do canal de televisão ZDF, a jornalista Ingeborg Jacobs realizou uma série de três documentários, intitulado "Kinder der Flucht" (Crianças do Êxodo). Este documentário foi difundido em 2006 e suscitou enorme interesse. A terrível sorte dos "Wolfskinder" suscitou uma emoção geral em todo o país. No seu documentário, a jornalista e realizadora Ingeborg Jacobs, retrata um o caso terrível de Liesabeth Otto, que tinha 7 anos em 1945. Mas Ingeborg Jacobs não pôde explorar toda a documentação que ela tinha encontrado para a sua reportagem; decidiu então publicar um livro particular, consagrado unicamente a Liesabeth Otto ("Wolfskind: Die unglaubliche Lebensgeschichte des ostpreussischen Mädchens Liesabeth Otto" - "Criança-Lobo: a incrível biografia de uma pequena criança da Prussia Oriental, Liesabeth Otto", Munique, Propyläen, 2010). Antes de ter publicado a história de Liesabeth Otto, Ingeborg Jacobs já tinha editado em 2008, uma obra sobre as violações em massa de mulheres e crianças alemãs pelos soldados do exército soviético. "Freiwild: Das Schicksal deutscher Frauen 1945" - "Caça á disposição: a sorte das mulheres alemãs em 1945"). Mas vamos parar aqui e recensear o calvário de Liesabeth Otto.

O pai da pequena Liesabeth era um pobre pedreiro, mobilizado pelo exército: ele tinha sido dado como desaparecido nos tormentos da guerra. A mãe da pequena morre de fome e esgotamento em Maio de 1945 na vila de Dantzig, completamente destruída pelas operações militares e bombardeamentos. Com a sua irmã mais velha e o seu irmão, Liesabeth tenta sobreviver. Os dias eram passados a buscar qualquer coisa que se comesse. Comiam tudo: ratos, andorinhas...as folhas de tília ou urtigas eram consideradas como uma guloseima. Por uma miserável côdea de pão, Liesabeth se disputa violentamente com a sua irmã mais velha e foge. Sua irmã teria morrido literalmente de fome em 1947 aos 16 anos de idade. Na Prússia Oriental, centenas e centenas de alemães morrem de fome entre 1945 e 1948. Os soviéticos e polacos recusavam-se a ajudar os alemães fechados nos campos. Apenas confinavam-se a levantá-los c por todos os meios de transporte para enviá-los para o Oeste. A expulsão de quase 5 milhões de pessoas constitui a maior operação de limpeza étnica de todos os tempos.

Escorraçada para as ondas do Memel

Liesabeth introduz-se então como passageira clandestina num comboio de mercadorias que ia em direcção da Lituânia. Durante a longa viagem, ela comia pequenas bolas que tinham uma aparência engraçada e um gosto estranho. Sua fome era muito forte. Ela não sabia, não poderia sabe-lo: era bosta seca. Á chegada, ela caiu inconsciente no caís. Um homem tomou-a por piedade e levou-a para sua casa. A esposa deste bravo homem ocupou-se dela, cortou-lhe os cabelos que estavam cheios de piolhos e deitou ao fogo as suas roupas que cheiravam horrivelmente mal. Durante um tempo, tudo ia bem com Liesabeth. Até ao dia em que crianças da rua apanharam-na e brincaram ao "Pequeno Hitler" com ela. As crianças em geral são quase sempre muito cruéis com os mais fracos e mais jovens dentre eles. Esta crueldade marcou Liesabeth, aos 8 anos de idade. Depois que a canalha encheu-a de murros e pontapés, eles penduraram-na e fugiram. Um passante, que caminhava por ali á sorte, salvou-a por um triz da morte por estrangulação. Mais tarde, ela pensou frequentemente que esse passante não a deveria ter apercebido. Presa no medo, ela não mais teve coragem de ir para casa do homem que a tinha encontrado na gare e da mulher que cuidou dela.

Assim solitária como um lobo, ela errou durante um certo tempo na floresta. Um dia, um camponês bateu-lhe quase até á morte porque ela tinha roubado uma galinha. Com a idade de oito anos, ela foi violada pela primeira vez em seguida fechada dentro de um saco e deitada para as águas do rio Memel. Salvaram-na uma vez mais.

Durante alguns tempos, ela encontrou refúgio perto de um grupo de "Irmãos da Floresta" - os "Irmãos da Floresta" lituanos levavam uma guerra de guerrilha contra o ocupante soviético - para quem ela servia de correio. Liesabeth foi então rebaptisada de "Maritje", foi bem treinada pelos resistentes lituanos e recebia suficientemente comida para se alimentar. Em 1949, teve de abandonar os seus protectores. A situação começava a ficar muito perigosa para os "Irmãos da Floresta". Eles não podiam mais ocupar-se dos "Wolfskinder" alemães que se encontravam no meio deles. Durante vários anos, antigos soldados alemães lutavam lado a lado com os lituanos nesta guerra de compatriotas.

O Goulag

No fim de 1949, os últimos alemães da Prússia Oriental foram deportados para o Oeste. Todos os alemães deviam se ajuntar em locais previamente indicados. Liesabeth queria ir para a Alemanha-Oeste. Pessoas, que lhe queriam bem, dissuadiram-na de empreender essa viagem. Os comboios, diziam eles, não tomariam a direcção da Alemanha mais sim a Sibéria. Liesabeth, que vem de fazer os seus 11 anos, crê neles e prossegue as suas peregrinações.

Para poder comer, ela trabalha duramente nas fazendas. Por vezes, ela rouba. Aos 15 anos, ela é apanhada em flagrante roubo e entregue á milícia soviética.     Os milicianos comunistas não mostraram a mínima piedade e enviaram-na para uma prisão de crianças a 400 km de Moscovo. Lá reinava a lei do mais forte. As brigas e violações eram uma constante. As autoridades da prisão deixavam andar. Liesabeth/Maritje fica grávida e dá o seu bebé a uma detida que acabava de ser libertada. Alguns dias depois, o bebé morreu. Quando ela fez os seus 18 anos, Liesabeth/Maritje foi expedida para o Goulag, num campo para perigosos criminosos de direito comum. Ela foi regularmente  batida e violada. Deu á luz um segundo bebé mas estava muito fraco e morre no campo. Ela só foi libertada em 1965. Tinha então 27 anos.

Esta mulher, endurecida pelas privações, não tinha no entanto futuro. Quem iria empregar uma mulher que cumprira vários anos de prisão ? Finalmente, Liesabeth/Maritje encontra um trabalho no seio de uma "brigada de construcção" que foi mandada para Bakou no Cáucaso. Os homens consideravam que todas as mulheres eram prostitutas. Para escapar a esta suspeição permanente, ela casa-se e dá á luz uma terceira filha, Elena. Mas o casamento não dura muito. Liesabeth leva porrada constantemente do seu marido, que ainda por cima, a trata, como também á sua filha, de "porcos fascistas alemães". Três anos de casamento depois, ela divorcia-se.

Epilogo a Widitten

O feliz desfecho só veio em 1976. Graças a uma pesquisa da Cruz Vermelha alemã, ela pôde tomar contacto com o seu pai e irmão Manfred. Após 31 anos de separação, foi uma emoção muito intensa poder reencontrar seu pai e irmão a Braunschweig. Um interprete estava presente. Liesabeth só pronunciava algumas palavras em alemão com muita dificuldade. Portanto este reencontro não teve só consequências felizes. Manfred não estava lá muito contente de reencontrar a sua irmã. Durante anos, ele tinha vivido crendo que a sua irmã estava morta. E ora que ela reaparece praticamente do nada e que deve dividir a herança paterna com ela. Liesabeth não se sente feliz na Alemanha e parte com a sua filha Elena para a Rússia, onde a insultam frequentemente, ou tratam-na de "Boche" e de "fascista". Na Alemanha, seus vizinhos a designam sob o termo "Die Russin" - "A Russa". Liesabeth/Maritje não tinha mais nacionalidade...

Seu pai no entanto arranja-se de maneira a que ela possa comprar e mobilar uma pequena casa com um cantinho de terra a Widitten na Prússia Oriental. No principio, ela sente a hostilidade dos vizinhos russos. Mãe e filha eram confrontadas a cada dia com vibrantes "Heil Hitler!". Maltratavam os seus animais. Somente depois da queda da URSS que a sua situação melhorou. Em 1994, Liesabeth recebe pela primeira vez a visita de Ingeborg Jacobs.

Autor: Pieter Aerens

Tradução por gang2 ervilha

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